sábado, 9 de julho de 2011

Semear a Palavra de Deus.


"Um semeador saiu a semear ..." É o início da parábola que está no centro do Evangelho deste 15º. Domingo do Tempo Comum (Mateus 13,1-23); um início simples, quase trivial, como parece mais óbvio em seguida: no difícil terreno palestino de então, a semente espalhada "como chuva" cai apenas parcialmente em terra boa, onde irá dar frutos, em grande parte se perde no terreno seco, ou entre as pedras ou entre espinhos.

Com algumas exceções, todas as parábolas apresentam semelhantes traços da vida comum, de pouco interesse à primeira vista: a pesca pobre ou abundante, um homem assaltado por ladrões em uma estrada solitária, um pai que luta com os delírios dos filhos, dois homens que vão orar, uma mulher que percebe ter perdido uma moeda, uma outra prejudicada por falha na justiça.

Pode-se perguntar de onde vem o encanto dessas histórias, ainda vivas após dois mil anos em um mundo mudado radicalmente. A resposta, paradoxalmente, está no fato de que elas não mostram circunstâncias extraordinárias, mas sempre a partir dos pequenos problemas em que nos encontramos presos ou que conhecemos e que hoje também poderiam nos afetar: problemas de todos, como sempre, essencialmente os mesmos que há dois mil anos atrás – mudou apenas no modo externo. Por isso nos envolvem, pois numa ou noutra podemos nos reconhecer, mas muitas vezes as vivemos de uma forma superficial, entediados ou irritados. As parábolas nos fazem descobrir uma dimensão mais profunda, que as removem da banalidade e conferem ao cotidiano toda a espessura da vida real.

A parábola do semeador é um exemplo claro. Jesus faz a narração, como Ele mesmo depois explica, para comparar o semeador a Deus, a semente à sua Palavra, e os diferentes tipos de terrenos para as diferentes formas em que os homens se colocam diante dessa.
Aqueles que não a aceitam ficam tão secos como a estrada; as pedras e os espinhos indicam os que receberam a Palavra, mesmo com entusiasmo, mas, superficialmente, sem deixar criar raízes, de modo que na primeira dificuldade a colocá-la em prática a abandonam, e apenas aqueles que realmente a fazem própria dão seu fruto abundante A parábola é, portanto, um convite para não ser superficial em relação à fé, a tomar consciência de que acolhê-la com coerência dá valor a cada momento da vida.

Mas em transparência da parábola, deduz-se também outra coisa. Por exemplo, que Deus não se desinteressa pelos homens; o fato de que lhes dirija sua palavra demonstra que Ele tem cuidado de orientá-los para o bem. Nesse sentido, a parábola ocupa um tema já presente no Antigo Testamento, como se pode ler, entre outras, na bela página dos profetas escolhida hoje como a primeira leitura (Is 55,10-11): "Assim diz o Senhor: Como a chuva e a neve descem do céu e não voltam para lá sem irrigar a terra, sem a ter fecundado e feito brotar para que possa dar a semente ao semeador e pão ao que come, assim será a palavra da minha boca...."

A parábola do semeador implica que, como Deus espalha sua Palavra sobre os homens, o mesmo acontece com cada um de nós: as nossas palavras, aquelas ditas e não ditas, quando na verdade elas deveriam ser ditas, aquelas faladas e aquelas caladas, feitas de gestos e comportamentos, nunca são sem consequências; como a pedra lançada no lago, sempre produzem ondas que se espalham fora de proporção, de longo alcance, produzem nos outros reações, opiniões, atitudes.

Muitas vezes não pensamos, mas todos nós somos semeadores. Assim, se de um lado a consciência de influenciar sobre os outros dá sentido a todo momento e, em seguida, afirma que a vida, na realidade, nunca é trivial, de outro lado é para perguntar-se que semente lançamos ao nosso redor? A diferença entre Deus-semeador e o homem-semeador é esta: Deus sempre espalha a boa semente, que dá frutos abundantes em quem a recebe, enquanto nós sabemos lançar sementes envenenadas, que fazem sofrer. Talvez, às vezes, não tenhamos consciência disso, e é a nossa desculpa, por isso mesmo temos de avaliar cuidadosamente o que semeamos.

São Paulo Apóstolo, na passagem de Romanos que lemos neste domingo, nos faz lembrar do nosso destino eterno, fazendo-nos tomar consciência de que, mesmo os mais terríveis sofrimentos de hoje ou de uma vida inteira, são bem pouca coisa, temporalmente, concretamente, se comparados com a felicidade eterna, para a qual caminhamos, na medida em que fazemos tesouro da Palavra de Deus e não apenas a ouvimos, mas a praticamos.


Bem-aventurados aqueles que ouvem a palavra de Deus e vivem-na todos os dias, nós cantamos juntos na liturgia eucarística, como se pode rezar na oração inicial da Missa de hoje, "Aumentai em nós, ó Pai, com o poder do vosso Espírito, a disponibilidade para acolher a semente de vossa palavra, que continuais a semear sobre toda a humanidade, para que frutifique em obras de justiça e de paz e revele ao mundo a bendita esperança do vosso reino".
Em outras palavras, um forte apelo à nossa responsabilidade pessoal sobre a adesão à Palavra de Deus que nós ouvimos durante as várias celebrações religiosas ou que podemos meditar pessoalmente, tomando em nossas mãos a Sagrada Escritura e lendo-a sistematicamente. Se não podemos fazer pessoalmente, porque limitados no tempo e nas condições físicas, valorizemos todas as oportunidades que nos dão as comunidades paroquiais, e também os múltiplos meios de comunicação que oferecem serviços à Palavra, tais como Internet, televisão, rádio, jornais, imprensa, revistas de todos os tipos. É importante valorizar e estudar o texto sagrado e, em sintonia com ele, conduzir a nossa vida pessoal para a santificação e salvação eterna, vocação de todo filho de Deus.

Entender o que o Senhor quer para cada um de nós é o primeiro passo para a felicidade, passando pela purificação do coração e da mente, exatamente como nos diz o trecho do Evangelho deste domingo – décimo quinto do tempo comum. Se o nosso coração ainda está duro, árido, sem qualquer valor moral não poderá jamais dar uma resposta produtiva à Palavra, que também entra e toca a sua profundidade. É preciso abrir o coração para acolher a Palavra e levá-la para a vida, transformá-la em exemplo vivo.

Colaboração, Dom Orani João Tempesta (Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro – RJ)

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